terça-feira, abril 28

Pontual e rotineiro como sempre, entrei no café às dez e meia e pontual e rotineira como sempre lá estava ela, sentada na mesa do canto, ao lado do grande espelho que reflecte todo o café, a beber o seu chá de cidreira e a comer uma torrada barrada com manteiga só de um lado. Sempre com um romance debaixo de olho, pois lembro-me de ela ser uma apaixonada por aquilo. Consigo ver um dos seus olhos azuis por debaixo do seu manto de fios dourados, o seu sorriso ilumina todo o café e, com galopar das páginas notasse a sua tristeza fluir; talvez seja daqueles romances tristes em que um dos dois apaixonados morre, deixando o outro sozinho e sem rumo, o facto é que ela devora estas histórias que nem uma louca.
Sentei-me no outro canto do café, onde estou reflectido no espelho, a beber o meu café e a comer uma torrada cheia de manteiga - Tanta manteiga faz-lhe mal! - diz sempre o senhor Alberto ao entregar-me o prato - De olhos na menina de cabelos loiros outra vez? Se eu tivesse a sua idade e aparência não escapava - ao dizer isto com o seu sorriso matreiro quase me fez pensar em levantar e caminhar o café inteiro e sentar-me ao lado dela, depois pensei bem, será que valia mesmo a pena? Ela esta aqui todos os dias, oportunidades não irão faltar. Ai acorda! Como é possível estares apaixonado por alguém que nem conheces? O amor à primeira vista não existe!
Um mês depois ao entrar às dez e meia no café, já com os olhos na mesa do canto, aquela debaixo do espelho, noto que estava vazia, possivelmente apanhou transito a vinda para cá, ou talvez tenha tido um exame ou assim. O senhor Alberto já trazia o meu café e a torrada ensopada em manteiga por instinto, sabendo que não eu nunca iria pedir outra coisa, ao pousar o prato na mesa trocou as suas palavras diária por algo que me fez em pó - É uma pena menino, ela era uma boa rapariga, mas a morte toca a todos, ainda bem que não a chegou a conhecer, seria um pouco mau perder alguém amigo não concorda? - nem consegui olhar para a expressão dele ao dizer estas palavras, senti dentro de mim algo que queimava, não sabia explicar o que era, a chávena do café encheu-se de lágrimas em segundos, será que estaria mesmo apaixonado por ela?
-Menino, lembrei-me agora, tome este livro, a outra menina deixou-o a mim na ultima vez que cá veio, e fez questão que fosse entregue a si, um bonito romance se quer que lhe diga. Fitei a capa do livro, e li em letras gordas no topo algo que ainda acabou mais com a minha vida, "Amor à primeira vista."

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