sábado, abril 25

Tantos anos sem ouvir uma única alma viva, a porta abriu, aquela que eu pensei já não existir, de lá veio um doce som, já ouvi algo parecido, enterrado sobre os pilares da minha memória vive um som assim; sim, eu lembro-me de algo igual.
Ouço os seus passos a chegarem perto de mim, sinto o medo no ar, já não sentia o medo a tanto tempo, para além da dor não sentia nada à anos. Deixei de ouvir os passos, mas em troca ouvi uma voz que acordou em mim tudo o que estava adormecido.

-Os seus olhos?
-Estão nesta caixa, nunca mais precisei deles, pois se os tinha era para a ver a ela, se não a posso ver pouco me interessa o resto.
-As suas mãos?
-Uma está junto da mão dela, se foi algo que sempre quis foi poder sentir a sua mão tocar na minha para sempre, nunca a irei largar, até em pó a irei sentir. Guardei sim a mão direita, para poder escrever sobre ela como outrora fizemos, sentir a sua mão e escrever sobre tudo o que o seu toque me fazia sentir.
-As suas pernas?
Cortei-as, se alguma vez precisei delas foi para poder estar com ela, não faz mais sentido me mexer, pois prometi que nunca a iria visitar quando ela fosse embora.
-O seu peito? Como é possível viver assim?! Mas... não tem coração, esse enorme buraco vazio, não pode ser!
-Tanto é possível que o estas a ver, eu não vivo, já o fizera a muito tempo atrás. Decidi abdicar da vida quando alguém abdicou da sua sem poder escolher. Se aqui estou a falar contigo não é por opção, é por ser obrigado a viver toda a dor que um cobarde tem de sofrer por querer morrer para encontrar quem ama!

O silêncio invadiu a sala, infelizmente perdi a noção do tempo, não sei se passaram dias ou apenas segundos, mas aquele silêncio fazia mais confusão do que o que eu sempre tive em volta de mim. Senti uma brisa quente, mesmo não tendo os meus olhos vi uma luz no fundo da escuridão e ouvi as ultimas palavras da minha vida, lembro-me como se estivesse a ouvir outra vez:
-Desculpa! Se foi coisa que nunca quis foi deixar-te assim, se foi coisa que sempre quis foi voltar aqui, está na altura de vires comigo e seres o que eras antes, tantos anos depois encontrei-te e se há maior prova de amor que a tua, só mesmo o voltar a vida para te encontrar e levar-te comigo, de novo para a morte...

1 comentário:

marianne curtis disse...

Sonny, que texto triste e lindo, escreves tão bem.