sábado, maio 2

Tinha acabado de recuperar os sentidos e olhei em frente, as chamas reflectiam-se nos meus olhos molhados, mas por mais que eu tivesse vontade de chorar nunca iria conseguir apagar aquele fogo. Em segundos as memorias daquela última hora entraram como um relâmpago pela minha mente, lembrei-me de ser empurrado do telhado porque ela não queria que eu morresse queimado pelo fogo, mas ela tinha medo de alturas, tinha medo de saltar, preferia ser levada pelo fogo que levada pelo medo. Preferia morrer e deixar-me cá...
A minha cabeça ergueu-se para o topo da casa e os meus olhos seguíram as paredes rachadas e as janelas partidas até ao telhado com telhas de fogo, onde na ponta se podia avistar o seu vulto, a tentar recuar cada vez mais do toque quente das chamas, e a aproximar-se cada vez mais do seu medo de cair nas trevas. Cá em baixo era uma mera marioneta sem cordas, queria tanto mexer-me mas todas as possibilidades de a salvar acorrentavam-me ao chão e todos os membros ficaram imóveis, deixando os meus olhos assistir à cruel matança do meu amor.
Cada passo seu é mais terreno para as chamas dançarem a dança da morte, gritei por ela mas não saía nada, o medo encheu a minha boca de nada e os meus olhos de sangue enquanto o último passo para o abismo era iminente, falhou o pé na ultima telha e caiu; uma queda de 5 segundos durou uma eternidade, os seus olhos fitaram os meus uma última vez, e vi as suas lágrimas ficarem para trás apagando o fogo que a ia tocar, mas enquanto era salva pelo seu desespero já o seu medo a consumia para o fundo do abismo. A sua vida terminou numa valsa irónica, salvou as nossas vidas do meu medo de me tornar cinza e acabou por virar a cinza que alimenta o negro das trevas.

1 comentário:

marianne curtis disse...

ora bem, mais outro texto que coise, está lindo.
P.S: eu não matei o gatinho!